Escrevendo Bons Diálogos
Por Sandro Massarani
"Fale como uma pessoa comum, mas pense como um sábio"
Aristóteles
Diálogo é conversação. Nada mais, nada menos. (Glória Kempton)
Diálogo não é conversação. (Robert Mckee)
Utilizando estes antagonismos, podemos dizer que um diálogo é diferente
de uma conversação típica, mas deve ter a capacidade de simulá-la,
utilizando economia de palavras e o objetivo de sempre mover a história.
Deve soar natural, como uma conversação, mas não pode se estender
como uma.
Sua aplicação com eficácia em uma obra está longe de ser fácil. O autor
deve estar atento a vários pequenos detalhes, e qualquer desvio pode
acabar com a credibilidade de sua criação. Veremos abaixo alguns pontos
básicos que serão muito úteis como uma introdução ao diálogo bem
construído.
1. Diálogo desenvolvendo a história
O escritor sempre deve estar preocupado em desenvolver sua história,
em fazer ela se mover. A história não pode ficar parada sem nenhum
evento significativo acontecendo. Cada diálogo deve ter como função
avançar a narrativa, e, ao final de cada cena, devemos estar em uma
situação diferente daquela de seu início.
Por isso, os diálogos devem ter tensão e conflito, ação e reação. Não é
interessante um personagem sempre concordar com o outro. O que faz
uma história se mover é o drama provocado por esse conflito. Se em um
diálogo nada está em jogo, ele só está servindo para travar a narrativa. É
necessário notarmos que em grandes filmes, até os diálogos
aparentemente "banais" são fundamentais para a história. Em um
primeiro momento, os diálogos de um filme de Woody Allen podem
parecer vazios, mas com um olhar mais agudo, vemos que cada diálogo
avança a história ao nos mostrar mais do personagem e do enredo. Tenha
isso em mente.
Geralmente, é necessário encontrar um equilíbrio entre diálogo, narrativa
visual (cinema), descrição (livro e hq) e ação. Vão existir momentos que
teremos que usar o diálogo, ou momentos que vamos apenas usar ação.
Isso está ligado ao ritmo (pacing) que o escritor quer dar para a obra. De
maneira superficial, podemos dizer que em um livro, o diálogo acelera a
obra, pois dá um alívio para a descrição e longas passagens de texto. Já
em um filme, ao contrário, o diálogo, se não for realizado de forma ágil,
muitas vezes torna a obra mais lenta. O autor deve sempre ter esse
conhecimento para poder determinar o ritmo de sua obra e/ou cena.
2. Diálogo revelando os personagens
As pessoas falam e conversam de maneira distinta, e através do tipo de
fala, podemos aprender muito sobre um personagem. Podemos saber de
onde ele vem por causa do sotaque (que deve ser utilizado
moderadamente), podemos saber seu grau de instrução, sua classe social,
entre outras inúmeras características.
Talvez, o mais difícil na escrita de um diálogo, seja fazer com que os
personagens soem diferentes sem que pareçam artificiais, principalmente
na literatura, quando não há a imagem de um ator para ajudar na
distinção visual. O escritor é apenas um, e deve dar voz a vários
personagens distintos criados por ele mesmo. O ideal é achar alguns
traços, costumes, falas e manias especiais de cada personagem e usá-los
ao longo da obra de maneira equilibrada.
Um diálogo também pode revelar qual é o objetivo do personagem na
história, geralmente de extrema importância para o andamento da
narrativa. Sabemos qua cada história se baseia em uma busca do
personagem pelo seu objetivo, e ele pode deixar claro qual é esse objetivo
através do diálogo. É uma maneira muito efetiva de passar para a
audiência as intenções do enredo.
"Eu a amo e não vou sossegar enquanto não retirá-la daquele marido
imbecil." Pronto, temos uma história estabelecida de forma clara. É lógico
que muitas vezes o personagem não vai querer dizer diretamente para
um outro o que ele deseja, e então cabe ao autor buscar outras boas
alternativas.
Porém, ao longo da trama, o personagem principal sofre modificações, o
chamado "arco do personagem", e o diálogo também pode servir para
retratar essa mudança. O mesmo personagem do diálogo anterior
poderia dizer o seguinte no final da história: "Eu estava errado. Esse amor
quase acabou com minha vida. É hora de seguir meu próprio caminho." E
a audiência percebe através do diálogo como a história alterou o
personagem de maneira significativa e profunda.
3. Diálogo fornecendo informações
O escritor deve ter o conhecimento de saber passar as informações
necessárias de maneira gradual, diluindo essas informações ao longo da
obra. É muito comum escritores amadores despejarem toneladas de
informações para a audiência logo no início da conversa, de forma
altamente artificial. Reparem esse exemplo, de um diálogo entre uma
esposa e um marido:
"Nosso filho João acabou de ligar. Como você sabe, ele tem um cachorro,
é manco, um excelente engenheiro e está em depressão."
Quem é que fala assim? Se é uma conversa entre marido e mulher,
supõe-se que ambos já saibam disso tudo. O escritor precisa criar
diálogos que atendam as necessidades do personagem, e não as dele.
Essas informações devem vir naturalmente, não é bom revelarmos tudo
muito cedo. Além disso, não é só o diálogo que é usado para revelar
pontos importantes. Uma imagem e uma descrição bem feita devem
também ter influência. Esse é um erro bem amador que não deve ser
cometido.
É um famoso e fatídico cliché colocar um personagem contando toda a
sua vida para um estranho no primeiro encontro. Pode ser que você
conheça alguém que já tenha feito isso, mas não é o normal. Até para
uma pessoa íntima, poucas vezes falamos de forma direta o que
pensamos e sentimos. O escritor deve ter cautela ao criar personagens e
diálogos muito "transparentes", que revele facilmente as emoções em
jogo. Um diálogo bem feito é carregado de "subtexto", ou seja, o
personagem fala uma coisa mas na verdade está pensando outra. Essa
técnica requer muito conhecimento e estudo da psicologia humana por
parte do escritor, mas quando funciona, a obra imediatamente alcança
um nível superior de qualidade. Logo, um diálogo nos ajuda a saber como
é um personagem, mas é fundamental que saibamos que uma pessoa
sempre é revelada pelas suas ações, e não pela sua conversa. A conversa
pode muitas vezes esconder a verdade.
4. Criando diálogos eficientes
O escritor não pode cair no erro de achar que o diálogo de uma obra é o
mesmo que uma fala da vida real. O diálogo tem como função capturar a
essência de uma conversa real. Se pararmos para analisar uma conversa
comum veremos que as pessoas gaguejam, param toda hora para
recuperar o raciocínio e falam coisas sem sentido. Muitas vezes eu me
assusto ao ouvir minha aula gravada por um aluno. Todo o tempo paro
para refletir, buscar palavras e pensamentos, eficaz para uma aula, mas
bem diferente de como deve ser a fala em uma obra. Capture a essência
da conversa, logicamente adicionando pitadas realistas para tornar a
conversa mais crível. Se pararmos para analisar os diálogos de uma
novela de televisão, veremos que quase nunca os personagens falam
juntos. Sempre fala um, para depois o outro iniciar a conversa. Isso é
muito artificial e me incomoda. Busque a essência e a naturalidade, sem
imitar 100% um diálogo real mas também sem fazer uma conversa
absurdamente artificial.
Uma das formas mais eficientes para analisarmos a fluidez e naturalidade
de um diálogo é o lermos em voz alta. Ele deve soar bem e ser plausível. O
escritor, se praticar constantemente esta técnica, se possível com a ajuda
de algum outro estudioso, evoluirá rapidamente. Evite uma linguagem
muito formal nos diálogos, como se as palavras saissem da boca de um
nobre francês do século XVIII ou de Sherlock Holmes, a não ser que o
personagem siga esse estilo. Muitos escritores, ansiosos para mostrarem
seu "vasto vocabulário", geralmente inútil, acabam entupindo a audiência
com palavras incomuns e artificiais.
Em um diálogo realista, uma pessoa não fica chamando a outra pelo
nome toda hora. O escritor deve prestar atenção para não repetir o nome
do personagem constantemente nos diálogos:
"Oi Sandro, tudo bem?"
"Está gostando do trabalho, Sandro?"
"Ei Sandro, vamos tomar um café?"
Devemos também evitar a qualquer custo o famigerado diálogo das
"cabeças falantes", ou seja, duas pessoas imóveis conversando. Os
personagens precisam fazer uma ação enquanto conversam, nem que
seja ajeitar a camisa, beber água, abrir a geladeira ou coçar a cabeça.
Essas pequenas ações dão mais vida ao diálogo e evita a monotonia das
"cabeças falantes".
Os diálogos mais interessantes são os carregados de emoção. Uma
conversa baseada na raiva, no medo, no amor. Porém, evite o chamado
melodrama, muito comum nas novelas de televisão. O melodrama
exagera o tempo todo as emoções, tornando-as artificiais. E somente se o
autor/diretor for um mestre da narrativa, como Stanley Kubrick ou
Yasujiro Ozu, não faça também o oposto, ou seja, a minimização das
emoções, como se os personagens fossem robôs sem alma. Um mestre
da narrativa transforma a ausência de emoções em frustração acumulada
dentro do personagem, o que requer muita habilidade.
Outro tópico interessante é se devemos ou não usar gírias ou sotaque no
diálogo. O conselho padrão é usá-los com muita moderação. Lógico que
fantásticas obras foram escritas cujos personagens só falam com
sotaques e gírias, mas isso cansa a audiência, estabelece preconceitos e
cria estereótipos. Coloque uma ou outra gíria ou sotaque regional, sem
exageros, e seu personagem passará bem melhor sua mensagem.
Para haver um diálogo, duas ou mais pessoas precisam estar
conversando. Logo, não é aconselhável coloca um personagem falando
sem parar enquanto o outro apenas escuta. Isso deve ocorrer apenas em
ocasiões especiais.
5. Conclusão
Esses conselhos só terão efeito se o estudante também analisar os
diálogos das grandes obras já feitas. Um diálogo de um livro é escrito de
maneira diferente do de um script de cinema, mas a base e o que
funciona ou não segue praticamente as mesmas regras. Observe o estilo
de escrita dos seus autores favoritos e busque desenvolver o seu próprio.
Um escritor só consegue obter um estilo único após absorver a maior
quantidade possível de influências, nunca deixando de ler, e sempre com
um olhar crítico de aprendizado.
Bons estudos!
tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais