Odyssey - A Odisséia do Primeiro Console
Por Sandro Massarani
"Foi apenas quando eu reconheci que já haviam 80 milhões de aparelhos de TV nos
lares dos Estados Unidos - e que eles poderiam ser utilizados como dispositivos para
jogos - que o conceito de videogames caseiros se tornou uma realidade prática." -
Ralph Baer
Na medida que os aparelhos eletrônicos iam ficando menores, novos e
revolucionários produtos começavam a surgir em uma velocidade espantosa.
Em 1972, a empresa Magnavox, subsidiária americana da Philips, lançou a
primeira máquina para se jogar videogames em casa, o console Odyssey, criado
pelo alemão Ralph Baer, judeu que havia conseguido escapar da Alemanha
nazista em 1938.
Chega a ser assustadora a quantidade e a qualidade de cérebros formidáveis
que saíram da Alemanha devido a perseguição anti-semita. Por ser um país
construído praticamente por imigrantes, e pelos altos investimentos em
pesquisas, os Estados Unidos foram os grandes beneficiados, recebendo
grande número de estudiosos não apenas da Alemanha, mas também dos
países da Europa Oriental controlados pela União Soviética, e que moldariam o
planeta na segunda metade do século XX.
Baer, jovem e começando a carreira no início da década de 1950, recebeu de
seu chefe na empresa de eletrônicos Loral, a missão de criar o melhor aparelho
de TV do mercado, tarefa nada simples. Neste momento, surge a idéia de incluir
nesse aparelho algo diferente e interativo, como jogos, que pudessem
proporcionar um outro tipo de diversão para a família, além dos programas
tradicionais da televisão. Nascia o conceito do console de videogame caseiro.
Apesar de Baer ter tido a idéia de um videogame com vinte e nove anos em
1951, ele só conseguiu dar continuidade a essa idéia em 1966, na empresa onde
passaria mais de 30 anos, a Sanders Associates, prestadora de serviços para o
exército.
Junto com engenheiros como Bob Tremblay, Bill Harrison e Bill Rusch, Baer
conseguiu, utilizando válvulas, fazer com que dois pontos pudessem ser
controlados na tela da TV, o que abriria caminho para jogos que simulassem
tênis, hockey, futebol, e até jogos com pistolas. Era o primeiro passo para algo
maior.
Em novembro de 1967, a Brown Box, nome do primeiro protótipo de Baer, ficou
pronta. Como a Sanders Associates era do ramo militar, não poderia mudar o
seu foco e lançar um aparelho desse tipo no mercado. Baer teve então que
procurar investidores e a Brown Box quase foi negociada com a gigante RCA,
mas no fim acabou rejeitada. Bill Enders, ex-empregado da RCA, se tornaria vice-
presidente de marketing da empresa Magnavox. Como um dos poucos que
ficaram impressionados com o que viu nas reuniões com a RCA, Enders acabaria
convencendo seus novos superiores a darem uma chance para o aparelho. A
Brown Box teria agora que se transformar em um produto de massa. Surgia o
Odyssey.
Comparado com os videogames subsequentes, como o Atari VCS e o Intellivision,
o Odyssey era extremamente limitado. Só poderia gerar dois quadrados
controlados por jogadores (paddles), um quadrado que agia como "bola" e uma
linha vertical. Não possuía microprocessador, circuitos integrados, memória,
não marcava os pontos, não tinha som e só mostrava imagens em preto e
branco . Alguns jogos necessitavam de um plástico transparente colorido,
chamado de overlay, que você deveria colocar por cima da tela da televisão para
que este se tornasse o complemento gráfico da TV. O conceito de overlay seria
usado posteriormente com sucesso em alguns arcades como Space Invaders, e
em joysticks inovadores como os do Intellivision.
O Odyssey era acompanhado por dois controles, cada um composto por dois
botões giratórios laterais e um botão reset no topo, seis cartuchos para
"montar" os jogos na tela, e diversos outros acessórios, incluindo além dos já
comentados overlays, dados, fichas de cassino, marcador de pontos e até
dinheiro de brincadeira. Baer também construiu um rifle opcional que
respondia a sinais luminosos, e quatro jogos de tiro diferentes poderiam ser
jogados. É curioso notarmos que desde o início os jogos com armas de tiro já
estavam presentes na origem dos consoles e eram muito comuns nos parques
de diversões e nas lojas de arcades.
Os jogos do Odyssey não vinham programados em cartuchos independentes,
que só foram introduzidos em 1976 no console Channel F da Fairchild. Os jogos
eram montados através da combinação de cartuchos chamados de Game Cards,
que inseridos no console alteravam aspectos e comportamentos dos gráficos
apresentados na tela. Ao todo foram lançados doze Game Cards que poderiam
formular vinte e oito variações de jogos distintas. Os jogos mais comuns são do
tipo "raquete e bola", mas haviam também outros estilos, como jogos de sorte e
alguns jogos educativos, que sempre dependiam do uso de acessórios fora do
jogo. Não havia uma inteligência artificial para controlar as regras e pontos, e
essas deveriam ser monitoradas pelos próprios jogadores.
Em maio de 1972, um empregado da empresa Nutting and Associates foi
despachado para assistir a uma demonstração do novo aparelho da Magnavox.
O que mais lhe chamou a atenção foi o simples conceito de simular esportes.
Na forma mais pura, esse conceito era representado pelo jogo Table Tennis: três
quadrados simulando duas raquetes e uma bola. Bastou isso para a indústria
dos videogames decolar, pois esse empregado não era ninguém menos que
Nolan Bushnell, que poucos meses depois utilizaria praticamente a mesma idéia
de Baer e lançaria o primeiro videogame de sucesso comercial: Pong. Bushnell
nunca admitiu abertamente que copiou a idéia de Baer, e logo problemas e
disputas em relação a patente dos videogames atingiriam os tribunais
americanos.
O Odyssey foi lançado em março de 1972, meses antes de Pong (lançado em
novembro), mas não alcançou o sucesso esperado, já que seu marketing foi
muito mal realizado. Primeiro, seu preço era muito elevado em relação ao custo
de produção, sendo vendido a cem dólares, um valor alto para os lares da
época. Segundo, a Magnavox fez parecer com sua propaganda, que o Odyssey só
funcionaria com televisores da própria empresa, diminuindo consideravelmente
o poder de venda. E por fim, apenas lojas autorizadas pela Magnavox poderiam
vender o produto, uma decisão extremamente infeliz, porque retirava de cena
as maiores vitrines dos Estados Unidos. Não podemos esquecer ainda, que
sempre há uma certa resistência em relação a uma nova tecnologia, e com o
Odyssey não foi diferente. Havia o medo de que o aparelho pudesse explodir a
televisão ou deixar a pessoa cega. Na verdade parece que ainda não superamos
muito bem esses pensamentos, já que os videogames são ainda vistos pela
maioria como destruidores de TV e diversão inútil.
Ralph Baer criou o videogame caseiro e estabeleceu vários parâmetros que até
hoje são utilizados na indústria. Apesar do Odyssey e de suas várias
reencarnações nunca terem chegado a liderar as vendas - a primeira versão do
console vendeu entre cem e duzentas mil cópias - Baer é um inventor muito
respeitado e com sua importância plenamente reconhecida.
tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais
O protótipo Brown Box e seu rifle
Odyssey e seus acessórios
Ralph Baer e suas Invenções
O Odyssey lançado no Brasil pela Philips é o Odyssey 2,
bem mais avançado e que disputou mercado com o Atari 2600 (VCS)