Uma Viagem à Lua (1902)

Por Sandro Massarani Nome: Uma Viagem à Lua Rating: 9 / 10 Nome Original: Le Voyage dans la lune Ano: 1902 País: França Cor: P/B Duração: 8 min. Dirigido por: Georges Méliès Escrito por: Georges Méliès, Gaston Méliès Estrelado por: Georges Méliès, Victor André, Jeanne d'Alcy, Bleuette Bernon, Henri Delannoy Enredo: Equipe de astrônomos parte para arriscada viagem à lua. Considerado o primeiro filme de ficção científica. Histórico: O cinema, junto com outras inovações tecnológicas como o computador, não pode ser considerado o resultado da pesquisa de um único inventor. Sua gênese foi se desenvolvendo gradativamente por vários anos, principalmente à partir da segunda metade do século XIX. Porém, se formos escolher uma data significativa para o processo inicial de popularização desta arte, há de se levar em alta consideração o dia 28 de dezembro de 1895, quando os irmãos Auguste e Louis Lumière realizaram em Paris a primeira exibição pública do seu cinematógrafo, para o espanto de trinta e três espectadores. Esse evento ganha ainda mais importância se levarmos em conta que um desses felizardos espectadores era o mágico ilusionista Georges Méliès, ex- herdeiro de uma fábrica de sapatos, e que se tornaria um dos grandes contribuidores para o desenvolvimento das técnicas visuais cinematográficas, sendo conhecido hoje como o o "pai" dos efeitos especiais, o "cinemágico". Desde a sua infância que Méliès sonhava em ser artista, o que iria contra as idéias do seu pai, que via como seu futuro um cargo de gerente em uma das fábricas de sapatos da família. Assim que seu pai não teve mais condições de coordernar o negócio, Méliès abandona seu trabalho e compra um teatro que havia pertencido a ninguém menos que Houdini, o maior ilusionista de todos, e começa a realizar seus próprios shows no local. Após a histórica exibição dos Lumière, Méliès, totalmente fascinado com o cinematógrafo, acabaria criando e patenteando a sua própria câmera, iniciando sua carreira em 1896. O cinema desse período, de acordo com Tom Gunning, é o chamado "cinema de atrações". Os filmes eram curtos, durando em média um minuto, e eram exibidos em shows de variedades, com outras diversas atividades artísticas. Não havia ainda uma idéia de narrativa, e o que imperava eram simples filmagens do cotidiano. Mas o destino age por caminhos estranhos. Em um típico dia mundano, quando filmava o trânsito na rua, a câmera de Méliès travou. Calmamente, ele abriu a câmera, ajeitou o filme, e continou sua atividade. Depois, ao analisar o que havia gravado, Méliès teve uma surpresa. Um ônibus havia, como num passe de mágica, se transformado em um rabecão! A câmera havia dado problema na hora que um ônibus estava passando. Quando a câmera voltou a funcionar, no mesmo lugar onde antes estava o ônibus, havia agora o carro funerário. Méliès, com isso, descobriu que você podia parar a câmera, alterar a cena à sua imaginação, e resumir as filmagens. Estava criado o efeito stop-motion. À partir dessa descoberta, Méliès começou a realizar inúmeros experimentos revolucionários, muitos dos quais são práticas comuns no cinema atual como o dissolve, onde gradativamente uma imagem vai dando lugar a outra (muito utilizado em transições de cena) e o efeito da exposição dupla, que faz um mesmo objeto aparecer diversas vezes ao mesmo tempo em posições diferentes, além de possibilitar a posterior sobreposição de imagens. Outra prática interessante de Méliès é que ele chegou a colorir manualmente alguns de seus filmes, como Le Chauldron Infernal (1903), dando um toque artístico único. É nada menos que extraordinário assistir um filme de Méliès, mesmo um século depois. Até para os padrões atuais, assusta a qualidade dos efeitos especiais de obras como Un homme de têtes (1898) e The Conjuror (1899). É ainda mais estarrecedor o fato de que Méliès fez essas obras sem editar o filme, prática que se tornaria comum somente depois. Méliès, apesar de nunca ter movido a câmera em uma cena em mais de 500 filmes, fez o cinema se distanciar cada vez mais do teatro, ao dar vida a novas possibilidades artísticas que seriam impossíveis de serem reproduzidas ao vivo em um palco. Outra fundamental contribuição de Méliès, consequência das necessidades oriundas de seu amadurecimento técnico, foi ajudar na transição de simples filmes que mostravam o dia-a-dia para obras com cenas artificialmente montadas, a base do cinema como conhecemos. Cada filme teria um determinado número de cenas, com cenários e vestuários elaborados, com a função de estabelecer uma narrativa progressiva. Esse processo se iniciou com uma adaptação de Cinderela (Cendrillon) ainda em 1899 e atingiria seu apogeu com Uma Viagem à Lua em 1902. Com o elevadíssimo custo de 10.000 francos, Uma Viagem à Lua se tornava o filme mais caro a ser realizado, com suas gravações durando longos três meses, algo também incomum para a época. A obra, levemente baseada em escritos de Jules Verne e H.G Wells, narra uma viagem de um grupo de astrônomos ao nosso satélite natural e o conflito destes com os habitantes nativos da Lua, chamados de Selenitas (por causa da deusa lunar grega Selene). O filme logo se tornaria um sensação na Europa e nos EUA, inclusive impulsionando a criação de cópias ilegais. Sua cena mais famosa ocorre quando a nave espacial aterrisa no olho da própria Lua, provocando suas lágrimas. Méliès foi um grande pioneiro desbravador, ajudando a estabelecer os gêneros de ficção científica e horror. Continuaria realizando filmes mais sofisticados, como A Viagem Impossível (Le Voyage à travers l'impossible - 1904) e Vinte Mil Léguas Submarinas (20,000 Lieues Sous les Mers - 1907). Porém, o impacto de seus filmes vai diminuindo, na medida que a introdução de narrativas em temas tipicamente norte-americanos, como o faroeste, começava a ganhar cada vez mais espaço. O próprio Méliès não quis acompanhar as novas mudanças e ramificações que surgiram no início do século XX, muitas das quais ele foi o pioneiro, ficando estagnado em suas criações. Sua situação financeira começava a se deteriorar, e ele levaria um duro golpe quando o governo francês ocupa temporariamente seu teatro por causa da guerra. Falido, O grande diretor foi obrigado a vender todas as suas posses, incluindo seus equipamentos, somente para sobreviver. Tinha sido esmigalhado pelos estúdios norte-americanos e pela gigante empresa francesa Pathés, que se tornaria líder mundial na produção cinematográfica. O homem que muitos consideram o mais influente na história de todo o cinema faleceria em 1938 totalmente abandonado, tendo passado os últimos anos de sua existência trabalhando em um quiosque. É a vida. Prós: - A excelência na qualidade dos efeitos especiais, no vestuário e na elaboração dos cenários estão anos luz na frente de qualquer outro filme do período. Alguns efeitos de Méliès são difíceis de reproduzir até hoje, exigindo até do especialista em computação um esforço considerável, principalmente em relação ao sincronismo. É realmente fabuloso o timing de Méliès com seus efeitos. - Considerado o primeiro filme de ficção científica realizado. Como Méliès também gostava de usar personagens ocultos e misteriosos em suas obras, ele também é um dos pioneiros na criação do gênero horror. Contras: - Não há como analisar criticamente com os olhos de hoje um filme da infância do cinema, onde as técnicas da narrativa ainda estavam sendo formuladas. Porém, também não há como deixar de notar uma visão um pouco preconceituosa de Méliès quando retrata os habitantes nativos da Lua como "selvagens", principalmente em uma época onde se vivia uma expansão imperialista das potências européias sobre a África. A semelhança entre os selenitas e os africanos dominados não é mera coincidência. Devo Assistir ? É uma importante peça da história do cinema, como todas as obras de Méliès. Obrigatório para os estudiosos dessa arte, mas apenas uma curiosidade para o espectador casual.
tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais
Além do Cotidiano
Vários Méliès: o efeito da dupla exposição
O que era uma cadeira em um frame vira duas no próximo. Stop-motion em ação.
Além do Cotidiano
tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais

Uma Viagem à Lua (1902)

Por Sandro Massarani Nome: Uma Viagem à Lua Rating: 9 / 10 Nome Original: Le Voyage dans la lune Ano: 1902 País: França Cor: P/B Duração: 8 min. Dirigido por: Georges Méliès Escrito por: Georges Méliès, Gaston Méliès Estrelado por: Georges Méliès, Victor André, Jeanne d'Alcy, Bleuette Bernon, Henri Delannoy Enredo: Equipe de astrônomos parte para arriscada viagem à lua. Considerado o primeiro filme de ficção científica. Histórico: O cinema, junto com outras inovações tecnológicas como o computador, não pode ser considerado o resultado da pesquisa de um único inventor. Sua gênese foi se desenvolvendo gradativamente por vários anos, principalmente à partir da segunda metade do século XIX. Porém, se formos escolher uma data significativa para o processo inicial de popularização desta arte, há de se levar em alta consideração o dia 28 de dezembro de 1895, quando os irmãos Auguste e Louis Lumière realizaram em Paris a primeira exibição pública do seu cinematógrafo, para o espanto de trinta e três espectadores. Esse evento ganha ainda mais importância se levarmos em conta que um desses felizardos espectadores era o mágico ilusionista Georges Méliès, ex-herdeiro de uma fábrica de sapatos, e que se tornaria um dos grandes contribuidores para o desenvolvimento das técnicas visuais cinematográficas, sendo conhecido hoje como o o "pai" dos efeitos especiais, o "cinemágico". Desde a sua infância que Méliès sonhava em ser artista, o que iria contra as idéias do seu pai, que via como seu futuro um cargo de gerente em uma das fábricas de sapatos da família. Assim que seu pai não teve mais condições de coordernar o negócio, Méliès abandona seu trabalho e compra um teatro que havia pertencido a ninguém menos que Houdini, o maior ilusionista de todos, e começa a realizar seus próprios shows no local. Após a histórica exibição dos Lumière, Méliès, totalmente fascinado com o cinematógrafo, acabaria criando e patenteando a sua própria câmera, iniciando sua carreira em 1896. O cinema desse período, de acordo com Tom Gunning, é o chamado "cinema de atrações". Os filmes eram curtos, durando em média um minuto, e eram exibidos em shows de variedades, com outras diversas atividades artísticas. Não havia ainda uma idéia de narrativa, e o que imperava eram simples filmagens do cotidiano. Mas o destino age por caminhos estranhos. Em um típico dia mundano, quando filmava o trânsito na rua, a câmera de Méliès travou. Calmamente, ele abriu a câmera, ajeitou o filme, e continou sua atividade. Depois, ao analisar o que havia gravado, Méliès teve uma surpresa. Um ônibus havia, como num passe de mágica, se transformado em um rabecão! A câmera havia dado problema na hora que um ônibus estava passando. Quando a câmera voltou a funcionar, no mesmo lugar onde antes estava o ônibus, havia agora o carro funerário. Méliès, com isso, descobriu que você podia parar a câmera, alterar a cena à sua imaginação, e resumir as filmagens. Estava criado o efeito stop-motion. À partir dessa descoberta, Méliès começou a realizar inúmeros experimentos revolucionários, muitos dos quais são práticas comuns no cinema atual como o dissolve, onde gradativamente uma imagem vai dando lugar a outra (muito utilizado em transições de cena) e o efeito da exposição dupla, que faz um mesmo objeto aparecer diversas vezes ao mesmo tempo em posições diferentes, além de possibilitar a posterior sobreposição de imagens. Outra prática interessante de Méliès é que ele chegou a colorir manualmente alguns de seus filmes, como Le Chauldron Infernal (1903), dando um toque artístico único. É nada menos que extraordinário assistir um filme de Méliès, mesmo um século depois. Até para os padrões atuais, assusta a qualidade dos efeitos especiais de obras como Un homme de têtes (1898) e The Conjuror (1899). É ainda mais estarrecedor o fato de que Méliès fez essas obras sem editar o filme, prática que se tornaria comum somente depois. Méliès, apesar de nunca ter movido a câmera em uma cena em mais de 500 filmes, fez o cinema se distanciar cada vez mais do teatro, ao dar vida a novas possibilidades artísticas que seriam impossíveis de serem reproduzidas ao vivo em um palco. Outra fundamental contribuição de Méliès, consequência das necessidades oriundas de seu amadurecimento técnico, foi ajudar na transição de simples filmes que mostravam o dia-a-dia para obras com cenas artificialmente montadas, a base do cinema como conhecemos. Cada filme teria um determinado número de cenas, com cenários e vestuários elaborados, com a função de estabelecer uma narrativa progressiva. Esse processo se iniciou com uma adaptação de Cinderela (Cendrillon) ainda em 1899 e atingiria seu apogeu com Uma Viagem à Lua em 1902. Com o elevadíssimo custo de 10.000 francos, Uma Viagem à Lua se tornava o filme mais caro a ser realizado, com suas gravações durando longos três meses, algo também incomum para a época. A obra, levemente baseada em escritos de Jules Verne e H.G Wells, narra uma viagem de um grupo de astrônomos ao nosso satélite natural e o conflito destes com os habitantes nativos da Lua, chamados de Selenitas (por causa da deusa lunar grega Selene). O filme logo se tornaria um sensação na Europa e nos EUA, inclusive impulsionando a criação de cópias ilegais. Sua cena mais famosa ocorre quando a nave espacial aterrisa no olho da própria Lua, provocando suas lágrimas. Méliès foi um grande pioneiro desbravador, ajudando a estabelecer os gêneros de ficção científica e horror. Continuaria realizando filmes mais sofisticados, como A Viagem Impossível (Le Voyage à travers l'impossible - 1904) e Vinte Mil Léguas Submarinas (20,000 Lieues Sous les Mers - 1907). Porém, o impacto de seus filmes vai diminuindo, na medida que a introdução de narrativas em temas tipicamente norte-americanos, como o faroeste, começava a ganhar cada vez mais espaço. O próprio Méliès não quis acompanhar as novas mudanças e ramificações que surgiram no início do século XX, muitas das quais ele foi o pioneiro, ficando estagnado em suas criações. Sua situação financeira começava a se deteriorar, e ele levaria um duro golpe quando o governo francês ocupa temporariamente seu teatro por causa da guerra. Falido, O grande diretor foi obrigado a vender todas as suas posses, incluindo seus equipamentos, somente para sobreviver. Tinha sido esmigalhado pelos estúdios norte-americanos e pela gigante empresa francesa Pathés, que se tornaria líder mundial na produção cinematográfica. O homem que muitos consideram o mais influente na história de todo o cinema faleceria em 1938 totalmente abandonado, tendo passado os últimos anos de sua existência trabalhando em um quiosque. É a vida. Prós: - A excelência na qualidade dos efeitos especiais, no vestuário e na elaboração dos cenários estão anos luz na frente de qualquer outro filme do período. Alguns efeitos de Méliès são difíceis de reproduzir até hoje, exigindo até do especialista em computação um esforço considerável, principalmente em relação ao sincronismo. É realmente fabuloso o timing de Méliès com seus efeitos. - Considerado o primeiro filme de ficção científica realizado. Como Méliès também gostava de usar personagens ocultos e misteriosos em suas obras, ele também é um dos pioneiros na criação do gênero horror. Contras: - Não há como analisar criticamente com os olhos de hoje um filme da infância do cinema, onde as técnicas da narrativa ainda estavam sendo formuladas. Porém, também não há como deixar de notar uma visão um pouco preconceituosa de Méliès quando retrata os habitantes nativos da Lua como "selvagens", principalmente em uma época onde se vivia uma expansão imperialista das potências européias sobre a África. A semelhança entre os selenitas e os africanos dominados não é mera coincidência. Devo Assistir ? É uma importante peça da história do cinema, como todas as obras de Méliès. Obrigatório para os estudiosos dessa arte, mas apenas uma curiosidade para o espectador casual.
Vários Méliès: o efeito da dupla exposição
O que era uma cadeira em um frame vira duas no próximo. Stop-motion em ação.