Roma, Cidade Aberta (1945)
Por Sandro Massarani
Nome: Roma, Cidade Aberta
Rating: 8 / 10
Nome Original: Roma, Città Aperta
Ano: 1945
País: Itália
Cor: Preto e Branco
Duração: 105 min.
Dirigido por: Roberto Rossellini
Escrito por: Sergio Amidei, Federico Fellini
Estrelado por: Anna Magnani, Aldo Fabrizi, Marcello Pagliero, Harry Feist,
Francesco Grandjacquet
"Eu acredito que aqueles que lutam pela justiça e verdade andam pelo
caminho de Deus, e os caminhos de Deus são infinitos."
Enredo:
Um grupo de rebeldes italianos e seu cotidiano na luta contra a ocupação
nazista pouco antes do fim da Segunda Guerra. É o marco principal do início do
Neorealismo no cinema.
Histórico:
Um filme que se baseia fortemente em um enredo trabalhado é artificial, pois
isto não ocorre na vida. O cineasta deve seguir os passos de um trabalhador,
deve retratar o cotidiano de uma pessoa normal, se possível em tempo real.
Atores profissionais devem ceder lugar para amadores e as filmagens devem ser
feitas sempre em locação, e nunca em um estúdio. Essas são as características
de um filme ideal de acordo com Cesare Zavattini, roteirista que lançou na
década de 1940 as bases do movimento revolucionário do Neorealismo Italiano.
A Itália, junto com Alemanha e Japão, formariam na Segunda Guerra a aliança
conhecida como Eixo. Após morte do ditador fascista Benito Mussolini e a
rendição italiana em 1943, os alemães invadiriam o país, buscando bloquear a
expansão de ingleses e americanos. A ocupação alemã provocaria o
fortalecimento de movimentos rebeldes, a maioria de caráter socialista, que
queriam a retirada das tropas nazistas da Itália. Poucos meses antes da saída
dos soldados germânicos, Roberto Rosselini iniciaria, em condições totalmente
adversas, as filmagens da obra pioneira do Neorealismo: Roma, Cidade Aberta.
Cidade Aberta narra as dificuldades de um grupo de rebeldes da resistência
italiana que lutam contra a ocupação alemã. O heroísmo aqui não é retratado
como algo épico e fora do alcance da pessoa normal, mas sim como resultado
da simples ajuda humana, muitas vezes baseada em pequenos gestos, mas que
formam os verdadeiros mártires.
Rosselini havia conseguido autorização do governo para fazer apenas um
documentário, e por isso teve que filmar secretamente sem acrescentar som.
Com imensas dificuldades financeiras, o diretor, que nasceu em família rica,
teve que vender até as suas roupas para terminar a obra. Qualquer pedaço de
filme que Rosselini encontrava era utilizado. Sem acesso a um estúdio, a solução
era filmar na própria rua e nas construções de Roma, muitas vezes com uma
iluminação precária. Foi um trabalho de extrema persistência e amor à arte, que
produziu uma obra crua e rústica, uma ficção com alma de documentário.
Cidade Aberta é mais um filme de transição, não seguindo a risca os princípios
neorealistas de Zavattini. Muitos filmes posteriores, principalmente o genial
Ladrão de Bicicletas (Ladri di Biciclette, 1948), de Vittorio de Sica, são exemplos
mais concretos do movimento. Porém, a obra de Rosselini deu o passo mais
importante, fazendo grande sucesso no restante da Europa e nos EUA. Cidade
Aberta foi um dos primeiros filmes europeus do pós-guerra a fazer grande
sucesso, vencendo o festival de Cannes e sendo indicado para o Oscar de
roteiro. Um de seus roteiristas, Federico Fellini, se tornaria uma lenda do cinema
alguns anos depois.
Devido o seu caráter político e bastante crítico, o Neorealismo acabaria
sofrendo oposição do próprio governo italiano. Seria criada a Lei Andreotti, que
dava direito aos governantes de proibirem a exportação de qualquer filme que
fosse julgado prejudicial para a imagem da Itália no exterior. Com isso, os filmes
neorealistas, que faziam mais sucesso fora do que dentro da península,
praticamente chegariam ao fim no início da década de 1950. O próprio Rosselini
passaria no restante de sua carreira por momentos muitos difíceis, ainda mais
após a escandalosa união com Ingrid Bergman, que abalou as estruturas
cinematográficas, mas produziu apenas filmes pouco memoráveis.
O Neorealismo como movimento pode ter se extinguido, mas, no entanto, seu
legado vive intensamente. Quando assistimos a um filme que busca mostrar
uma face mais “natural” dos personagens, o mundo de forma transparente, sem
filmagens artificiais em estúdio, sem uma produção cara e superficial, estamos
presenciando, décadas depois, a herança de seus criadores.
Prós:
- É sem dúvida alguma uma obra extremamente revolucionária. O mundo do
cinema, acostumado ao glamour de hollywood (com algumas exceções), nunca
havia visto nada igual. Ao dar maior importância para os personagens do que
para o enredo em si, abriu o caminho para a vanguarda artística que atingiria
seu ápice na nouvelle vague francesa e que tem consequências até hoje.
- Sua mistura de ficção com ares de documentário realmente impressiona. O
mais fascinante é que o ambiente filmado e todos os envolvidos na obra ainda
estão vivendo a energia do momento da ocupação alemã e de sua recente
retirada. Toda essa emoção é passada pela tela para quem está assistindo.
- Excelente atuação de Aldo Fabrizi como Dom Pietro. Um dos raros filmes onde
a igreja não é tratada de forma superficial.
- A mescla de atores profissionais com amadores dá um ótimo resultado,
principalmente pois nenhum deles parece uma estrela de cinema. Anna
Magnani, cuja beleza não é a do padrão hollywoodiano, se tornaria famosa
mundialmente, chegando inclusive a vencer um Oscar de melhor atriz em 1955
pela sua atuação em a Rosa Tatuada (The Rose Tattoo, Daniel Mann), também
interpretando uma viúva.
- A cena da tortura é magistralmente filmada, mostrando apenas o necessário,
sem imagens apelativas e desnecessárias, o que é cada vez mais raro.
- A iluminação é precária pois não havia dinheiro. O áudio é dublado pois
Rosselini só tinha permissão para filmar um documentário, e a edição é confusa
pois a quantidade de filme era limitada. São limitações técnicas que acabaram
ajudando na construção de uma obra mais crível, se tornando nesse caso
vantagens muito bem exploradas.
Contras:
- Mistura de diálogos artificiais e naturais, inclusive na mesma cena. É um filme
de transição, e Rosselini sempre apreciou um melodrama, o que é justamente o
contrário dos ideais neorealistas.
- Final inconclusivo, não realizando o desfecho de importantes personagens,
outra característica comum de filmes realistas mas que afeta em minha opinião
a narrativa.
- Os alemães são bastante caricatos, mesmo que esse tratamento seja mais que
plausível se tratando de um filme feito logo após a ocupação. Porém, não
devemos esquecer que a Itália era aliada da Alemanha na Segunda Guerra, o
que é um pouco irônico, e Rosselini inicialmente tinha simpatias pelo fascismo.
- O filme tem um caráter patriótico, baseado na relação bom/mau, que na época
foi necessária para levantar a moral dos italianos mas que não sobrevive ao
teste do tempo.
Devo Assistir ?
Não é uma obra que agradará a todos. Para estudantes de cinema é mais que
obrigatório. Para o cinéfilo casual vale pelas imagens históricas de uma Itália
saindo de uma guerra e pelo heroísmo humano e realista de alguns
personagens.
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