Meu Ódio Será Sua Herança

Por Sandro Massarani Nome: Meu Ódio Será Sua Herança Rating: 9 / 10 Nome Original: The Wild Bunch Ano: 1969 País: Estados Unidos Cor: Colorido Duração: 142 min. Dirigido por: Sam Peckinpah Escrito por: Wallon Green, Sam Peckinpah Estrelado por: William Holden, Ernest Borgnine, Robert Ryan, Edmond O'Brien, Warren Oates, Jaime Sanchez, Ben Johnson, Emilio Fernandez "Vamos." Enredo: Na fronteira entre o Texas e o México em 1913, criminosos veteranos preparam um último golpe, na medida que sentem a transição do velho oeste para uma nova era baseada no progresso, na tecnologia e em diferentes valores. Histórico: A consciência pesa. Quatro homens partem para resgatar um amigo que momentos antes fora abandonado. A arma dispara. Um general cai morto. O grupo se prepara para lutar contra duas centenas de soldados. Uma metralhadora, símbolo do progresso está ao alcance. Um silêncio insuportável rasga o ar, acompanhado de olhares que se cruzam esperando o próximo movimento. Tem início uma das maiores carnificinas da história da arte, o "balé sangrento". Após a Segunda Guerra Mundial, o faroeste, o mais norte-americano de todos os gêneros cinematográficos, começa gradativamente a passar por uma mudança nos seus conceitos básicos. A dualidade simples entre bem e mal vai sendo substituída por assuntos mais variados e complexos, acabando por transformar de forma profunda a mentalidade e motivações dos personagens. A violência se torna mais real, o amor não é mais tão puro e os heróis e vilões tornam-se mais humanos. O filme ápice dessa mudança é The Wild Bunch, do ultra polêmico diretor Sam Peckinpah. Peckinpah havia criado fama não só pela qualidade dos seus filmes, geralmente violentos faroestes que colocavam o fora-da-lei sob uma nova perspectiva, mas também pelo seu constante conflito com os mandas-chuvas de Hollywood, disputas que se intensificavam ainda mais devido o difícil temperamento do diretor, geralmente sob influência do álcool. Em 1967, Peckinpah iniciaria as filmagens de The Wild Bunch querendo retratar uma realidade nunca antes vista nos faroestes. Era o reflexo da Guerra do Vietnã, que estava no seu auge, e do próprio mundo da década de 60, que começava a abraçar constantemente a violência nos noticiários, na medida que transmissões televisivas ao vivo da guerra e de outros atos abomináveis chegavam à mesa de jantar. A idéia era a de trazer a sensação de violência para o espectador. Para isso, Peckinpah, o cinematógrafo Lucien Ballard e o editor Lou Lombardo, criam uma atmosfera crua e selvagem, um mundo povoado por pessoas de personalidades difíceis e ambíguas e uma linguagem visual única, tendo como base a revolucionária técnica de slow-motion. Aí encontra-se o grande paradoxo do filme e a grande falha que o próprio diretor assumiu. A violência que Peckinpah nos mostra através do slow-motion não é repugnante, mas sim bela, admirável. O que era para provocar náusea e desgosto acaba nos fascinando a cada corpo que se estatela na areia, a cada gota de sangue derramada. The Wild Bunch é sobre um grupo de foras-da-lei, unidos por um frágil sentimento de companheirismo, que vive o fim de uma época. O velho oeste não mais existe. As fronteiras americanas não mais se alargam. Estamos no limiar da Primeira Guerra Mundial, e automóveis e aviões começam a ganhar o seu espaço. Liderados pelo excelente ator William Holden, o grupo fracassa ao tentar assaltar um banco de uma pequena cidade e passam a ser perseguidos por um antigo companheiro de tempos atrás. Percebendo sua crescente vacilação e a mudança da sociedade em sua volta, Holden decide fazer um último trabalho, o de roubar um trem cheio de armas e entregá-las além da fronteira para um ganancioso general mexicano, adversário do lendário revolucionário Pancho Villa. Após as filmagens, enquanto Peckinpah estava no Havaí, o produtor Phil Feldman cortou cenas importantíssimas, que esclareciam principalmente o personagem de Holden e do general mexicano, interpretado por Emilio Fernandez. Sem essas cenas, esses personagens ficam bastante superficiais, praticamente unidimensionais. O pior é que as cenas não eram nem violentas e foram cortadas apenas para os cinemas poderem passar mais uma sessão durante o dia e aumentar os lucros. A briga e as ofensas trocadas manchariam ainda mais a imagem do diretor. Felizmente, as versões atuais que são vendidas contém os minutos cortados originalmente. O grande mérito de Peckinpah foi fazer com que a platéia conseguisse entender o código de lealdade distorcido que une os criminosos, sem que fosse necessário utilizar técnicas narrativas menores ou clichès. Não há escolhas fáceis para o grupo, e toda ação ou conflito interior traz consequências externas imprevisíveis. Peckinpah ainda realizaria mais duas obras-primas do comportamento humano que complementam idéias aqui mostradas: Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1970) onde um pacato Dustin Hoffman se transborda em um surto de agressividade, e o surreal e imperdível Traga-me a Cabeça de Alfredo Garcia (Bring me the Head of Alfredo Garcia, 1974), que retrata uma espécie de autobiografia. The Wild Bunch receberia apenas duas indicações ao Oscar, para roteiro (a única que Peckinpah recebeu em toda a sua vida) e música. Podemos medir a grandiosidade do diretor e da obra por uma simples comparação. Também em 1969 seria lançado um faroeste que se tornaria muito mais famoso, Butch Cassidy (Butch Cassidy and Sundance Kid, George Roy Hill), com Paul Newman e Robert Redford, filme que recebeu sete indicações e venceu quatro Oscars, incluindo fotografia e roteiro, prêmios que deveriam ir para The Wild Bunch. Fazer a audiência se identificar com dois galãs que interpretam foras-da-lei em um faroeste onde tudo é romantizado e leve não é uma tarefa muito complicada. Agora, fazer você se importar com o destino de crápulas violentos, interpretados por atores que fogem completamente dos padrões de beleza é algo especial. E como sabemos, o especial não está sempre à mostra e nem é fácil de enxergar. Prós: - Homens brutais, violentos, criminosos, selvagens, todos retratados de forma humana e profunda. Suas motivações, suas escolhas, o código de lealdade pronto a ser quebrado, mas sempre honrado. É curioso notarmos que a maioria dos criminosos não se enxergam como tal, e muitas vezes não vêem o que há de errado em suas atitudes. O ser humano não pode ser classificado somente no preto ou branco, bom ou mal, e sim em tons de cinza. Realizar isso em uma obra é bem difícil, ainda mais no cinema, onde não podemos penetrar tão facilmente na mente dos personagens como em um livro. - Os atores não tem carinhas bonitas e nem saem em capa de revista. Mas encarnam “homens de verdade” e possuem um enigmático carisma, uma intensa força de atração. Todos estão excepcionais. - Peckinpah consegue implantar em praticamente toda cena, não só as de ação, um clima de constante tensão e suspense, ora baseado em diálogos pesados, ora na expectativa do próximo movimento. - As cenas de ação em slow-motion são realmente fora-de-série. Algumas chegaram a ser filmadas com seis câmeras simultaneamente, muitas rodando em até 120 quadros por segundo (o normal são 24) para tornar as imagens lentas e suaves. - O filme é um exemplo perfeito da técnica de roteiro da Ação Crescente (Rising Action). Os problemas se tornam cada vez mais complicados, os obstáculos cada vez mais difíceis, caminhando para um desfecho dramático impactante. Contras: - Será que é saudável a violência ser retratada de maneira tão bela? O mais interessante é que Peckinpah acreditou que suas escolhas cinematográficas tornariam a violência insuportável, mas acabou provocando o contrário, tamanha foi a qualidade técnica da obra. - Apesar da minha admiração pelo diretor, é fato que ele trata as mulheres como meros objetos sexuais e praticamente inúteis. Isso é claramente visível em The Wild Bunch. - Sempre vale o comentário dos infelizes nomes que os filmes, principalmente de ação e faroeste, recebem no Brasil. Gostaria que alguma alma bondosa me explicasse o que o nome The Wild Bunch (Bando Selvagem) tem a ver com Meu Ódio será sua Herança. Me recuso a usar esse título. Ele não se aplica a nada no filme, nem uma mensagem, nem um tema, nada. Deprimente. Devo Assistir ? É um ótimo filme de ação que tem em sua excelência os efeitos de câmera e a relação incomum entre os protagonistas. A violência contida na obra não tem o mesmo impacto nos dias de hoje, de tanto que foi imitada e banalizada.
tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais
Além do Cotidiano
Sam Peckinpah e William Holden
Ernest Borgnine
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Meu Ódio Será Sua Herança

Por Sandro Massarani Nome: Meu Ódio Será Sua Herança Rating: 9 / 10 Nome Original: The Wild Bunch Ano: 1969 País: Estados Unidos Cor: Colorido Duração: 142 min. Dirigido por: Sam Peckinpah Escrito por: Wallon Green, Sam Peckinpah Estrelado por: William Holden, Ernest Borgnine, Robert Ryan, Edmond O'Brien, Warren Oates, Jaime Sanchez, Ben Johnson, Emilio Fernandez "Vamos." Enredo: Na fronteira entre o Texas e o México em 1913, criminosos veteranos preparam um último golpe, na medida que sentem a transição do velho oeste para uma nova era baseada no progresso, na tecnologia e em diferentes valores. Histórico: A consciência pesa. Quatro homens partem para resgatar um amigo que momentos antes fora abandonado. A arma dispara. Um general cai morto. O grupo se prepara para lutar contra duas centenas de soldados. Uma metralhadora, símbolo do progresso está ao alcance. Um silêncio insuportável rasga o ar, acompanhado de olhares que se cruzam esperando o próximo movimento. Tem início uma das maiores carnificinas da história da arte, o "balé sangrento". Após a Segunda Guerra Mundial, o faroeste, o mais norte-americano de todos os gêneros cinematográficos, começa gradativamente a passar por uma mudança nos seus conceitos básicos. A dualidade simples entre bem e mal vai sendo substituída por assuntos mais variados e complexos, acabando por transformar de forma profunda a mentalidade e motivações dos personagens. A violência se torna mais real, o amor não é mais tão puro e os heróis e vilões tornam-se mais humanos. O filme ápice dessa mudança é The Wild Bunch, do ultra polêmico diretor Sam Peckinpah. Peckinpah havia criado fama não só pela qualidade dos seus filmes, geralmente violentos faroestes que colocavam o fora-da-lei sob uma nova perspectiva, mas também pelo seu constante conflito com os mandas-chuvas de Hollywood, disputas que se intensificavam ainda mais devido o difícil temperamento do diretor, geralmente sob influência do álcool. Em 1967, Peckinpah iniciaria as filmagens de The Wild Bunch querendo retratar uma realidade nunca antes vista nos faroestes. Era o reflexo da Guerra do Vietnã, que estava no seu auge, e do próprio mundo da década de 60, que começava a abraçar constantemente a violência nos noticiários, na medida que transmissões televisivas ao vivo da guerra e de outros atos abomináveis chegavam à mesa de jantar. A idéia era a de trazer a sensação de violência para o espectador. Para isso, Peckinpah, o cinematógrafo Lucien Ballard e o editor Lou Lombardo, criam uma atmosfera crua e selvagem, um mundo povoado por pessoas de personalidades difíceis e ambíguas e uma linguagem visual única, tendo como base a revolucionária técnica de slow-motion. Aí encontra-se o grande paradoxo do filme e a grande falha que o próprio diretor assumiu. A violência que Peckinpah nos mostra através do slow-motion não é repugnante, mas sim bela, admirável. O que era para provocar náusea e desgosto acaba nos fascinando a cada corpo que se estatela na areia, a cada gota de sangue derramada. The Wild Bunch é sobre um grupo de foras-da-lei, unidos por um frágil sentimento de companheirismo, que vive o fim de uma época. O velho oeste não mais existe. As fronteiras americanas não mais se alargam. Estamos no limiar da Primeira Guerra Mundial, e automóveis e aviões começam a ganhar o seu espaço. Liderados pelo excelente ator William Holden, o grupo fracassa ao tentar assaltar um banco de uma pequena cidade e passam a ser perseguidos por um antigo companheiro de tempos atrás. Percebendo sua crescente vacilação e a mudança da sociedade em sua volta, Holden decide fazer um último trabalho, o de roubar um trem cheio de armas e entregá-las além da fronteira para um ganancioso general mexicano, adversário do lendário revolucionário Pancho Villa. Após as filmagens, enquanto Peckinpah estava no Havaí, o produtor Phil Feldman cortou cenas importantíssimas, que esclareciam principalmente o personagem de Holden e do general mexicano, interpretado por Emilio Fernandez. Sem essas cenas, esses personagens ficam bastante superficiais, praticamente unidimensionais. O pior é que as cenas não eram nem violentas e foram cortadas apenas para os cinemas poderem passar mais uma sessão durante o dia e aumentar os lucros. A briga e as ofensas trocadas manchariam ainda mais a imagem do diretor. Felizmente, as versões atuais que são vendidas contém os minutos cortados originalmente. O grande mérito de Peckinpah foi fazer com que a platéia conseguisse entender o código de lealdade distorcido que une os criminosos, sem que fosse necessário utilizar técnicas narrativas menores ou clichès. Não há escolhas fáceis para o grupo, e toda ação ou conflito interior traz consequências externas imprevisíveis. Peckinpah ainda realizaria mais duas obras-primas do comportamento humano que complementam idéias aqui mostradas: Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1970) onde um pacato Dustin Hoffman se transborda em um surto de agressividade, e o surreal e imperdível Traga-me a Cabeça de Alfredo Garcia (Bring me the Head of Alfredo Garcia, 1974), que retrata uma espécie de autobiografia. The Wild Bunch receberia apenas duas indicações ao Oscar, para roteiro (a única que Peckinpah recebeu em toda a sua vida) e música. Podemos medir a grandiosidade do diretor e da obra por uma simples comparação. Também em 1969 seria lançado um faroeste que se tornaria muito mais famoso, Butch Cassidy (Butch Cassidy and Sundance Kid, George Roy Hill), com Paul Newman e Robert Redford, filme que recebeu sete indicações e venceu quatro Oscars, incluindo fotografia e roteiro, prêmios que deveriam ir para The Wild Bunch. Fazer a audiência se identificar com dois galãs que interpretam foras-da-lei em um faroeste onde tudo é romantizado e leve não é uma tarefa muito complicada. Agora, fazer você se importar com o destino de crápulas violentos, interpretados por atores que fogem completamente dos padrões de beleza é algo especial. E como sabemos, o especial não está sempre à mostra e nem é fácil de enxergar. Prós: - Homens brutais, violentos, criminosos, selvagens, todos retratados de forma humana e profunda. Suas motivações, suas escolhas, o código de lealdade pronto a ser quebrado, mas sempre honrado. É curioso notarmos que a maioria dos criminosos não se enxergam como tal, e muitas vezes não vêem o que há de errado em suas atitudes. O ser humano não pode ser classificado somente no preto ou branco, bom ou mal, e sim em tons de cinza. Realizar isso em uma obra é bem difícil, ainda mais no cinema, onde não podemos penetrar tão facilmente na mente dos personagens como em um livro. - Os atores não tem carinhas bonitas e nem saem em capa de revista. Mas encarnam “homens de verdade” e possuem um enigmático carisma, uma intensa força de atração. Todos estão excepcionais. - Peckinpah consegue implantar em praticamente toda cena, não só as de ação, um clima de constante tensão e suspense, ora baseado em diálogos pesados, ora na expectativa do próximo movimento. - As cenas de ação em slow-motion são realmente fora-de-série. Algumas chegaram a ser filmadas com seis câmeras simultaneamente, muitas rodando em até 120 quadros por segundo (o normal são 24) para tornar as imagens lentas e suaves. - O filme é um exemplo perfeito da técnica de roteiro da Ação Crescente (Rising Action). Os problemas se tornam cada vez mais complicados, os obstáculos cada vez mais difíceis, caminhando para um desfecho dramático impactante. Contras: - Será que é saudável a violência ser retratada de maneira tão bela? O mais interessante é que Peckinpah acreditou que suas escolhas cinematográficas tornariam a violência insuportável, mas acabou provocando o contrário, tamanha foi a qualidade técnica da obra. - Apesar da minha admiração pelo diretor, é fato que ele trata as mulheres como meros objetos sexuais e praticamente inúteis. Isso é claramente visível em The Wild Bunch. - Sempre vale o comentário dos infelizes nomes que os filmes, principalmente de ação e faroeste, recebem no Brasil. Gostaria que alguma alma bondosa me explicasse o que o nome The Wild Bunch (Bando Selvagem) tem a ver com Meu Ódio será sua Herança. Me recuso a usar esse título. Ele não se aplica a nada no filme, nem uma mensagem, nem um tema, nada. Deprimente. Devo Assistir ? É um ótimo filme de ação que tem em sua excelência os efeitos de câmera e a relação incomum entre os protagonistas. A violência contida na obra não tem o mesmo impacto nos dias de hoje, de tanto que foi imitada e banalizada.
Sam Peckinpah e William Holden
Ernest Borgnine