Aguirre, A Cólera de Deus (1972)

Por Sandro Massarani Nome: Aguirre, a Cólera de Deus Rating: 9 / 10 Nome Original: Aguirre, der Zorn Gottes Ano: 1972 País: Alemanha Cor: Colorido Duração: 94 min. Dirigido por: Werner Herzog Escrito por: Werner Herzog Estrelado por: Klaus Kinski, Ruy Guerra, Helena Rojo, Del Negro "Eu, a cólera de Deus, casarei com minha própria filha e criarei a dinastia mais pura que já existiu." Enredo: Expedição espanhola do século XVI pela selva amazônica em busca da mítica cidade de El Dorado acaba em motim e tragédia, tendo como personagem central a insana figura do conquistador Don Lope de Aguirre. Histórico: Uma das grandes motivações dos conquistadores espanhóis na América foi a gananciosa procura pela lendária cidade de El Dorado, com seus rios e construções de ouro puro. A busca de El Dorado foi propulsora de inúmeras expedições fracassadas como a de Pedro de Úrsua em 1560. Úrsua seria deposto e assassinado pelo conquistador basco Don Lope de Aguirre, que se autoproclamaria príncipe do Chile e do Peru, em um grave ato de afronta ao rei Felipe II. Passar para o cinema uma história grandiosa como essa requer de um diretor não somente habilidade, mas também ambição e coragem para arriscar. São essas justamente as principais virtudes do alemão Werner Herzog, que aqui faria, na minha opinião, sua obra prima. Mas Herzog não estará sozinho. Ao seu lado, na primeira de suas colaborações em conjunto, está o sinistro Klaus Kinski, uma das faces mais enigmáticas que já agraciou uma película. Quando Herzog tinha apenas 12 anos, sua família dividiu em Munique sua moradia com Kinski, e os dois iniciaram uma turbulenta relação de amizade e ódio que durou até a morte do ator. Kinski e Herzog fizeram juntos cinco obras magnânimas, sempre atravessando dificuldades e obstáculos inimagináveis por causa da obstinação do diretor de obter veracidade cinemática a qualquer custo. Em Fitzcarraldo (1982), por exemplo, Herzog literalmente carregou um navio pelas montanhas amazônicas e em Nosferatu - O Vampiro da Noite (1979) ele conseguiu a proeza de capturar a difícil essência do Nosferatu original de 1922. Kinski e Herzog discutiam frequentemente, inclusive com ameaças de morte no próprio set, o que é sempre refletido na câmera como um choque de nervos constante. Os bastidores de Aguirre está envolto em mistérios. Kinski supostamente teria atirado em um membro da equipe pois este estava fazendo barulho ao jogar cartas. Herzog teria ameaçado se matar e depois quis também atirar em Kinski, chegando inclusive a pedir que os indígenas da filmagem dessem um fim no ator. Cada um diz a sua própria versão, e em 1998, sete anos após a morte de Kinski, Herzog lançaria um documentário chamado My Best Friend, contando da sua maneira a conexão de ambos, e como eles foram importantes para o surgimento de um novo cinema alemão. Aguirre está constantemente nas listas dos maiores filmes já realizados, e só de ter sido filmado em precárias condições com uma feroz batalha contra a natureza já é um fato significativo. Na verdade, não assistimos Aguirre, e sim o vivenciamos. Aguirre configura-se em um dos melhores exemplos de que o cinema, quando feito com extrema intensidade, cria uma vida própria e nos transporta para um outro mundo, mesmo este mundo sendo um de ganância e riqueza a qualquer custo, através de terras selvagens e desconhecidas. Prós: - A cena de abertura, uma extreme long-shot com dezenas de soldados espanhóis com armaduras, índios escravizados, cavalos e lhamas, todos descendo os Andes, é de uma força assombrosa. Não há efeitos computadorizados, fornecendo uma rara sensação de veracidade Uma das maiores introduções de filmes já realizadas. - As dificuldades para se filmar na Amazônia foram enormes, mas criou uma atmosfera que consegue nos transportar para um ambiente misterioso e tenso. - Trilha sonora estranha e eficaz composta pelo grupo progressivo Popol Vuh. - Atuação lendária de Kinski como Lope de Aguirre, que carrega o filme quase que sozinho. - Levanta inúmeras perguntas sobre o comportamento e as motivações do homem. Contras: - Como obrigação de historiador não posso deixar de relatar que o filme toma muitas liberdades em relação aos fatos verdadeiros. Os acontecimentos apontados na obra lembram apenas vagamente o que ocorreu e altera personagens e encontros, como a presença do frei Gaspar de Carvajal na expedição. Porém, temos que ter a noção de que o objetivo de Herzog não foi construir um filme histórico e sim relatar a insanidade de um homem e criar uma atmosfera impactante, o que ele fez com maestria. - Uma das desvantagens de se ter um ator tão poderoso quanto Kinski é que sua presença ofusca os outros atores. Por causa disso, temos personagens secundários caricatos, que brilham apenas em poucos momentos. - Poderia ser um pouquinho mais longo, explorar ainda mais a loucura e seus desdobramentos. Acaba muito rápido. Devo Assistir ? Raros são os filmes que conseguem criar uma atmosfera tão real, que sai da tela. Não é uma típica obra de ação e suspense, apesar de ter ambas, mas sim um estudo inexplicável da natureza humana. É um filme que puxa mais para o psicológico e agradará principalmente quem gosta de analisar conflitos internos.
tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais
Além do Cotidiano
Herzog e Kinski em uma “brincadeira”
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Aguirre, A Cólera de Deus (1972)

Por Sandro Massarani Nome: Aguirre, a Cólera de Deus Rating: 9 / 10 Nome Original: Aguirre, der Zorn Gottes Ano: 1972 País: Alemanha Cor: Colorido Duração: 94 min. Dirigido por: Werner Herzog Escrito por: Werner Herzog Estrelado por: Klaus Kinski, Ruy Guerra, Helena Rojo, Del Negro "Eu, a cólera de Deus, casarei com minha própria filha e criarei a dinastia mais pura que já existiu." Enredo: Expedição espanhola do século XVI pela selva amazônica em busca da mítica cidade de El Dorado acaba em motim e tragédia, tendo como personagem central a insana figura do conquistador Don Lope de Aguirre. Histórico: Uma das grandes motivações dos conquistadores espanhóis na América foi a gananciosa procura pela lendária cidade de El Dorado, com seus rios e construções de ouro puro. A busca de El Dorado foi propulsora de inúmeras expedições fracassadas como a de Pedro de Úrsua em 1560. Úrsua seria deposto e assassinado pelo conquistador basco Don Lope de Aguirre, que se autoproclamaria príncipe do Chile e do Peru, em um grave ato de afronta ao rei Felipe II. Passar para o cinema uma história grandiosa como essa requer de um diretor não somente habilidade, mas também ambição e coragem para arriscar. São essas justamente as principais virtudes do alemão Werner Herzog, que aqui faria, na minha opinião, sua obra prima. Mas Herzog não estará sozinho. Ao seu lado, na primeira de suas colaborações em conjunto, está o sinistro Klaus Kinski, uma das faces mais enigmáticas que já agraciou uma película. Quando Herzog tinha apenas 12 anos, sua família dividiu em Munique sua moradia com Kinski, e os dois iniciaram uma turbulenta relação de amizade e ódio que durou até a morte do ator. Kinski e Herzog fizeram juntos cinco obras magnânimas, sempre atravessando dificuldades e obstáculos inimagináveis por causa da obstinação do diretor de obter veracidade cinemática a qualquer custo. Em Fitzcarraldo (1982), por exemplo, Herzog literalmente carregou um navio pelas montanhas amazônicas e em Nosferatu - O Vampiro da Noite (1979) ele conseguiu a proeza de capturar a difícil essência do Nosferatu original de 1922. Kinski e Herzog discutiam frequentemente, inclusive com ameaças de morte no próprio set, o que é sempre refletido na câmera como um choque de nervos constante. Os bastidores de Aguirre está envolto em mistérios. Kinski supostamente teria atirado em um membro da equipe pois este estava fazendo barulho ao jogar cartas. Herzog teria ameaçado se matar e depois quis também atirar em Kinski, chegando inclusive a pedir que os indígenas da filmagem dessem um fim no ator. Cada um diz a sua própria versão, e em 1998, sete anos após a morte de Kinski, Herzog lançaria um documentário chamado My Best Friend, contando da sua maneira a conexão de ambos, e como eles foram importantes para o surgimento de um novo cinema alemão. Aguirre está constantemente nas listas dos maiores filmes já realizados, e só de ter sido filmado em precárias condições com uma feroz batalha contra a natureza já é um fato significativo. Na verdade, não assistimos Aguirre, e sim o vivenciamos. Aguirre configura-se em um dos melhores exemplos de que o cinema, quando feito com extrema intensidade, cria uma vida própria e nos transporta para um outro mundo, mesmo este mundo sendo um de ganância e riqueza a qualquer custo, através de terras selvagens e desconhecidas. Prós: - A cena de abertura, uma extreme long-shot com dezenas de soldados espanhóis com armaduras, índios escravizados, cavalos e lhamas, todos descendo os Andes, é de uma força assombrosa. Não há efeitos computadorizados, fornecendo uma rara sensação de veracidade Uma das maiores introduções de filmes já realizadas. - As dificuldades para se filmar na Amazônia foram enormes, mas criou uma atmosfera que consegue nos transportar para um ambiente misterioso e tenso. - Trilha sonora estranha e eficaz composta pelo grupo progressivo Popol Vuh. - Atuação lendária de Kinski como Lope de Aguirre, que carrega o filme quase que sozinho. - Levanta inúmeras perguntas sobre o comportamento e as motivações do homem. Contras: - Como obrigação de historiador não posso deixar de relatar que o filme toma muitas liberdades em relação aos fatos verdadeiros. Os acontecimentos apontados na obra lembram apenas vagamente o que ocorreu e altera personagens e encontros, como a presença do frei Gaspar de Carvajal na expedição. Porém, temos que ter a noção de que o objetivo de Herzog não foi construir um filme histórico e sim relatar a insanidade de um homem e criar uma atmosfera impactante, o que ele fez com maestria. - Uma das desvantagens de se ter um ator tão poderoso quanto Kinski é que sua presença ofusca os outros atores. Por causa disso, temos personagens secundários caricatos, que brilham apenas em poucos momentos. - Poderia ser um pouquinho mais longo, explorar ainda mais a loucura e seus desdobramentos. Acaba muito rápido. Devo Assistir ? Raros são os filmes que conseguem criar uma atmosfera tão real, que sai da tela. Não é uma típica obra de ação e suspense, apesar de ter ambas, mas sim um estudo inexplicável da natureza humana. É um filme que puxa mais para o psicológico e agradará principalmente quem gosta de analisar conflitos internos.
Herzog e Kinski em uma “brincadeira”