Encouraçado Potemkin (1925)
Por Sandro Massarani
Nome: Encouraçado Potemkin
Rating: 9 / 10
Nome Original: Bronenosets Potyomkin
Ano: 1925
País: União Soviética
Cor: Preto e Branco
Duração: 75 min.
Dirigido por: Sergei Eisenstein
Escrito por: Nina Agadzhanova, Sergei Eisenstein, Nicolai Aseyev, Sergei
Tretyakov
Estrelado por: Alexandr Antonov, Vladimir Barsky, Grigori Aleksandrov, Beatrice
Vitoldi, Prokopenko
"Irmãos! Em quem vocês estão atirando?"
Enredo:
Dramatização de uma revolta de marinheiros contra seus oficiais ocorrida em
1905 na Rússia que serviu como uma das antecipações da revolução socialista
ocorrida em 1917. Um dos filmes mais importantes da história do cinema
devido ao seu uso sublime e pioneiro da edição de imagens.
Histórico:
O primeiro passo para podermos estudar os filmes com mais profundidade, é
reconhecermos que o cinema, como toda arte e praticamente toda a sociedade,
é uma construção baseada em costumes e convenções estabelecidas ou
sugeridas. Todas as técnicas narrativas que passam na tela, desde a mostra dos
créditos, da distância da câmera, até os tipos de transição de cena, foram
estabelecidas e introduzidas em algum momento e se tornaram regras a serem
seguidas e também quebradas.
Um dos pontos chave para o estabelecimento da moderna técnica da narrativa
cinematográfica foram os estudos feitos pela primeira escola de cinema do
mundo, a Escola de Filmes de Moscou (VGIK). Um de seus professores, Lev
Kuleshov, pouco estudado no Brasil, realizou um interessante experimento
psicológico. Ele alternou a mesma imagem da face de um ator com a imagem de
um prato de sopa, de uma mulher e de um caixão. A teoria de Kuleshov era a de
que a audiência mudaria sua percepção sobre a expressão do ator de acordo
com a imagem subsequente. Logo, a mesma expressão do ator era entendida
pelo público como uma expressão de fome, ao ser mostrada antes do prato, de
desejo (antes da mulher) e de pesar (antes do caixão). Estava criado o chamado
"Efeito Kuleshov" que seria a base da chamada Teoria da Montagem, articulada
por dois de seus estudantes, Vsevolod Pudovkin e Sergei Einsenstein.
A Teoria da Montagem, aqui explicada de forma muito simplificada, defende
basicamente que a justaposição de uma imagem com outra provoca um conflito
cujo resultado é uma terceira idéia distinta, que acaba sendo maior que a soma
individual de suas partes (processo da dialética). A montagem já havia sido
usada em filmes americanos, principalmente do diretor D.W. Griffith, só que vai
alcançar um nível de aplicação altamente elevado com os soviéticos, se
tornando um dos pilares do cinema e da continuidade narrativa até hoje. A
Teoria da Montagem visa manipular claramente a emoção e o sentimento do
público através dessas imagens alternadas, buscando controlar o que a
audiência sente. É fundamental notarmos que apesar de muito bem exposta e
aplicada, a Teoria da Montagem vai encontrar ao longo dos anos vários críticos,
como o francês André Bazin, que vão buscar valorizar um maior realismo no
cinema, sem manipulações descaradas.
Einsentein, que já havia aplicado a Teoria da Montagem no seu primeiro filme A
Greve (1925), recebe do Estado a incumbência de realizar uma obra em
homenagem aos 20 anos da revolução de marinheiros ocorrida no navio de
batalha Potemkin. O resultado, Encouraçado Potemkin, se tornou praticamente a
principal referência da linguagem cinematográfica. A Teoria da Montagem é
aplicada aqui com toda a sua potencialidade e força. Contrastes entre claro e
escuro, entre pequenas e grandes formas, grupos se movendo em direções
opostas, cortes rápidos e constantes, sempre procurando influenciar o que cada
um deve sentir.
Um filme propaganda em sua essência, que mesmo sendo socialista, rompeu
fronteiras e foi totalmente incorporado no mundo ocidental, Encouraçado
Potemkin representou um equilíbrio quase perfeito da montagem por
Eisenstein, com destaque para a cena do massacre nas escadarias da cidade de
Odessa, considerada por muitos historiadores como a maior cena já filmada. A
alternância rápida entre a imagem de um carrinho de bebê, a marcha e ataque
do exército do imperador (cossacos), close-ups de pessoas desesperadas e
tomadas distantes da massa humana caótica criam para a audiência uma forte
sensação de terror e fragilidade. Por incitar a revolta, a obra acabou sendo
banida em diversos países ao longo dos anos, inclusive na União Soviética.
Eisenstein não manteria o equilíbrio de Potemkin em feitos posteriores. O seu
próximo filme, Outubro (1928), em comemoração aos dez anos da revolução,
terá um caráter altamente experimental e será bastante cortado e simplificado
pelas autoridades. Com a subida do sanguinário ditador Josef Stalin ao poder no
final da década de 1920, o cinema soviético sofre um forte golpe e deixa de ser
visto como uma arte essencial e de prestígio, visão defendida pelo líder anterior
Vladimir Lenin. Eisenstein passa a viver de altos e baixos, mas sempre aplicando
e desenvolvendo a Teoria da Montagem, inclusive se adaptando à introdução do
som no cinema. O diretor recupera um pouco de sua força com Alexander Nevsky
(1938), filme pelo qual recebeu um prêmio do próprio governo, e a primeira
parte de Ivan, o Terrível (1944), filme muito influenciado pelo passado teatral do
diretor, sendo bastante estilizado. Com a segunda parte dessa obra (1946),
Einsenstein novamente teria sérios problemas com o Estado e acabou falecendo
em 1948, ironicamente sendo muito mais importante fora de seu próprio país.
Mais irônico ainda é que Encouraçado Potemkin, de tão eficaz, acabaria causando
grande impacto em Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, que deu
o seguinte comentário: "Um maravilhoso filme sem igual...qualquer um sem
convicção política rapidamente se converteria em um socialista". Para o bem ou
para o mal, nazistas, socialistas, e capitalistas liberais logo perceberam o valor
da propaganda manipuladora, inclusive no cinema.
Prós:
- Junto com O Nascimento de Uma Nação (D.W. Griffith - 1915) é o filme que
estabeleceu a linguagem narrativa da continuidade que vemos não só no
cinema, mas também na televisão, nos quadrinhos e clipes musicais.
- A cena da escadaria de Odessa, além de ser uma das mais famosas da história,
mais do que qualquer outra representa a essência da edição no cinema,
inclusive cunhando o padrão a ser quebrado.
- Além de todas suas qualidades técnicas indiscutíveis, Encouraçado Potemkin
tem o inegável poder de ser um filme proibido. Sua projeção para uma
audiência sensibilizada poderia realmente provocar tumultos e revoltas,
principalmente na primeira metade do século XX.
Contras:
- Para Vladimir Lenin, líder da revolução socialista, o cinema era a mais
importante das artes, e foi logo estatizado em 1919 para servir como veículo
ideológico. Encouraçado Potemkin é claramente um filme propagandista e
comemorativo, praticamente obrigando você a engolir sua mensagem. Para o
governo da União Soviética do período, esse tipo de filme era totalmente
necessário, mas para os padrões atuais é muito exagerado. Hoje, quando um
autor quer passar a sua opinião para a audiência, seja ela cultural, política ou
econômica, ele deve expressá-la de forma delicada e sutil, através de subtextos,
procurando também valorizar as idéias contrárias. Um artista deve evitar
"filosofar" suas idéias para o público de maneira artificial.
- O perigo de um filme propaganda é ele se tornar maior que o próprio fato. O
massacre da escadaria, por exemplo, não chegou a existir, sendo inventado com
maestria por Einsentein. Devemos sempre separar o filme da história, sendo
essa uma das primeiras lições que ensino aos meus alunos. O filme pode ajudar
a entender uma época, mas devemos ter muito cuidado na hora de analisar os
fatos históricos.
- Einsenstein está mais preocupado em desenvolver suas técnicas de montagem
do que contar uma história. No filme, o protagonista é a massa de
trabalhadores e marinheiros, carecendo de personagens elaborados.
Devo Assistir ?
Sua força nos dias atuais ressoa mais em historiadores de arte e membros
políticos socialistas. Dificilmente prenderá a atenção de um público de massa,
principalmente pelo vazio ideológico que hoje vivemos, onde a alienação e a
ausência de referências políticas impera, causando desinteresse por este tipo de
tema.
tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais
Exemplo da Teoria da Montagem em Encouraçado Potemkin
1. Pessoas organizadas descendo a escada.
2. Soldados atirando. Logo, supõe-se pela tomada anterior
que eram os soldados que desciam a escada.
3. A mulher está sofrendo ou sentindo prazer, como em uma cena de sexo?
Podemos dizer que ela está sofrendo por causa da tomada anterior,
que mostrou os soldados atirando. A tomada vista de forma isolada é passível
de infinitas interpretações, por isso a Teoria da Montagem busca retratar as
emoções através da sequência de imagens.
4. Um carrinho de bebê e uma escada. Sabemos por causa
das tomadas anteriores que essa imagem evoca perigo.
O carrinho pode cair a qualquer momento. Reparem que não
há a necessidade de mostrar nenhum personagem na tela.
A Teoria da Montagem já nos diz o que devemos saber.
5. Novamente a mulher. A retomada do sofrimento,
ainda mais com outro close-up, reforça sua intensidade.
Porém, só sabemos que ela está sofrendo por causa das
tomadas anteriores. A imagem pura e isolada não nos indica isso.
Ela poderia estar simplesmente gritando alguém para almoçar.
6. Alguém coloca a mão na cintura, pois levou um tiro.
Muito provavelmente é a mulher, mas só podemos supor
isso por causa do que foi visto antes. Lembrando sempre que
a Teoria da Montagem não é uma teoria exata, ela depende
da interpretação da audiência, que pode variar.
7. A cena segue mostrando agora um long shot (tomada longa)
do caos e do massacre. Reparem como a justaposição das imagens
aqui retratadas acaba nos fornecendo todo um contexto de terror,
com um significado maior que as tomadas vistas de forma isolada.
Concluindo, a Teoria da Montagem é muito mais complexa do que o mostrado
aqui, sendo inclusive dividida em cinco tipos. Porém, com essa leitura, já podemos
ter uma boa introdução a ela.